Ana Lago de Luz

E na beleza das flores... e nas ondas do mar!

Textos


 Parei no Meio da Ponte 

 

Eu ainda me lembro do vento naquela tarde. Era um vento insistente, que vinha do rio e subia pela ponte, como se quisesse me empurrar de volta. Eu estava parado ali, no meio da estrutura de ferro, as mãos suando contra o corrimão.  

Tinha acabado de sair do trabalho, como qualquer outro dia. O escritório, as mesmas conversas vazias, o cheiro de café queimado na cafeteira. Mas naquele dia, algo dentro de mim rachou. Não foi um estalo dramático, nada que me fizesse cair de joelhos. Foi só um pensamento, simples e devastador: "Eu não aguento mais."   

A verdade é que eu já carregava aquilo havia anos. O medo de falhar, de nunca ser suficiente. De acordar aos cinquenta e perceber que havia apenas existido, sem nunca ter realmente vivido. Eu me agarrava à rotina como se ela fosse um colete salva-vidas, mas ela também era o que me afogava.  

Parei no meio da ponte e olhei para a água lá embaixo. Não era sobre acabar com tudo — pelo menos não daquele jeito. Era sobre o peso de seguir em frente sem saber para onde. O rio refletia o céu cor de ferrugem, e eu me vi ali, pequeno, suspenso entre duas margens.  

"E se eu pulasse?" A pergunta não era sobre morte, mas sobre liberdade. Sobre o alívio de deixar tudo pra trás. Mas havia outra voz, mais quieta, que sussurrava: "E se você tentasse de verdade?"  

Era essa a parte que doía. Porque eu queria coisas. Queria escrever um livro. Queria viajar para algum lugar onde ninguém soubesse meu nome. Queria amar alguém sem medo de ser abandonado. Mas o desejo vinha embalado em culpa — quem eu pensava que era para desejar mais?  

Foi então que ela apareceu. Uma senhora com um casaco vermelho, arrastando uma sacola de compras. Parou ao meu lado, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e disse:  

— O pôr do sol hoje tá bonito, né?  

Não era uma pergunta. Era um convite. Olhei para o horizonte e, pela primeira vez em meses, vi as cores. O vermelho, o dourado, o azul que escorria devagar para a noite.  

— Tá, eu respondi, e senti algo dentro do peito se desfazendo.  

Talvez fosse esperança. Ou talvez só cansaço mesmo. Mas naquele instante, eu entendi: eu não estava preso. Só assustado.  

Não sei o que aconteceu depois. Acho que continuei caminhando. Mas naquele dia, na ponte, eu deixei algo cair no rio. E decidi não pular atrás.  

 

 

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 10/04/2025
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