Ana Lago de Luz

E na beleza das flores... e nas ondas do mar!

Textos


O Segredo do Rio 

 

Eu nunca contei isso a ninguém. Nem à minha mãe, nem ao padre, nem mesmo ao Lucas, que foi meu melhor amigo desde os tempos de escola, ele nao soube da minha atitude. Mas hoje, diante dessas águas escuras que correm sem parar, acho que finalmente preciso confessar.  

Foi aqui, neste mesmo rio, há vinte anos.  

Eu e o Lucas tínhamos dez anos e passávamos as tardes pescando ou nadando nas partes rasas, onde a correnteza era mais calma. Naquele dia, porém, ele resolveu se aventurar mais fundo.  

— Vem, João! Dá pra chegar até aquela pedra no meio do rio! — ele gritou, já se afastando.  

Eu hesitei. Sabia nadar, mas não tão bem quanto ele. Mesmo assim, não quis parecer covarde. Entrei na água, sentindo a areia sumir sob meus pés conforme avançava. A correnteza puxava minhas pernas, mais forte do que eu imaginava.  

Foi quando ouvi o grito.  

Lucas tinha escorregado na pedra. Caíu, bateu a cabeça e sumiu na água turva. Eu vi seus braços se debatendo, a boca abrindo como se tentasse gritar, mas só saíam bolhas.  

E eu… eu congelei.  

Não fui atrás. Não gritei por ajuda. Só fiquei ali, parado, com o coração batendo tão forte que parecia que ia sair pela garganta. Quando finalmente reagi, já era tarde. O rio tinha levado ele.  

Disseram que foi um acidente. Que a correnteza estava forte naquele verão. Ninguém nunca desconfiou que eu tinha visto tudo e não fiz nada.  

Anos depois, me tornei pescador, como o meu pai. Passo meus dias neste mesmo rio, como se, em algum momento, ele pudesse me devolver o que roubou. Ou talvez, o que eu roubei.  

Às vezes, quando a noite está quieta e a lua se reflete na água, juro que vejo o Lucas ali, me olhando. Sem raiva, sem acusação. Apenas… esperando.  

E eu continuo aqui, preso naquele instante em que fui covarde.  

Talvez, escrevendo isso agora, eu finalmente consiga me perdoar.  

Ou talvez nunca consiga.

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 09/04/2025
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