Ana Lago de Luz

E na beleza das flores... e nas ondas do mar!

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O assalto 

Como de costume, eu fui a última pessoa a sair do prédio onde trabalhava. O final do dia trazia um silêncio bom para aproveitar a ideia e produzir mais. 

Peguei minha bolsa e caminhei pelo corredor mal iluminado. Desci do elevador já esperando a brincadeira de rotina do Sr Nando, o porteiro do prédio. Mas neste dia eu me excedi demais e já iam dar 22h .

Estranhei por não ver aquele Ser simpático sentado à sua mesa na penumbra da portaria.  Lá fora, na estrada, já poucos automóveis circulavam. Fiquei curiosa pela sua ausência e decidi esperar.Foi quando ouvi vozes vindo do mezanino  e procurei me esconder para não ser vista dali. Por trás  da mesa do Sr Nando agucei meus ouvidos para saber o que está havendo. Não identifiquei a voz do porteiro e comecei a me preocupar. Silenciosa, fui para a sala ao lado da portaria onde ficava o quarto em que ele se trocava para trabalhar. Estava vazio e a enorme janela estava aberta. Pela fresta da porta eu podia olhar melhor lá para cima. Eram três ou quatro homens e uma mulher. E estavam entulhando notebooks e outros eletrônicos  num carrinho de limpeza da empresa. Saiam e voltavam com mais itens, todos que tinham no prédio. Pensei logo que era um assalto. 

Eu queria chegar à porta de entrada mas seria vista. Desisti. Ao mesmo tempo que tomei ciência de que eles entraram por aquela janela e , com toda certeza, era por ali que sairiam. Eu me desesperei. Tinha que sair dali o quanto antes. Compreendi que eu conhecia a voz feminina mas não identifico de onde. Abri a porta e segui para uma outra sala abaixo do mezanino  onde ficava o visor das câmeras de segurança. Não acendi a luz e pude perceber que o painel estava desligado. Olhei mais uma vez para fora pensando numa forma rápida de escapulir pela imensa porta de vidro. Desanimei. Trancada na sala resolvi acender a luz. Eu estava suando ao mesmo tempo que sentia um frio vindo da minha barriga. Resolvi ligar as câmeras sem pensar que o sensor de luz pudesse chamar a atenção daquelas pessoas. Foi um ato impensado. 

Um homem desceu para olhar algo na sala com a janela aberta. Eu me escondi atrás de uma mesa. Seus passos eram ruidosos no silêncio do prédio. Ele se certificou de algo e voltou para o andar de cima. Pude olhar as câmaras  e logo identifiquei a mulher, era funcionária da empresa. 

- Que safada- pensei. E me intrigava não vê o Sr Nando que a esta altura eu também achava que fazia parte do bando.  Olhei mais atenta e não reconheci nenhum daqueles homens . 

Eu não podia dar nenhum passo em falso para não ser descoberta por eles, mas fui espiar na porta quando ouvi o barulho da porta de entrada se abrindo. Ela estava aberta este tempo todo. E os alarmes ? Desligados ? Quem estava por trás daquele assalto conhecia bem o prédio e tinha acesso a tudo. 

E pela fresta da porta vi ninguém mais do que o gerente da firma. Não estava vestido no seu constante terno azul marinho mas sim numa blusa preta e calça jeans . Parecia até um homem mais jovem pela aparência descontraída. Então era isto, ele que criou todas as facilidades para o roubo. Antes de eu fechar completamente a porta  ainda pude ouvir ele falar alto dirigindo-se aos assaltantes

- Amanhã o seguro paga tudo isto. 

Voltei para trás da mesa. Ele poderia querer verificar as câmeras. Comecei a sentir uma cãibra na perna e a face ruborizar.  Precisava sair dali antes que ele descobrisse que estava  sendo filmado.

Quando me convenci de que ele subiu até o mezanino e um barulho de carrinho começou a descer as escadas. Sai correndo da sala para a porta ao lado onde ficava o banheiro. 

Voltei a fechar a porta atrás de mim para só me dar conta da figura ali deitada no chão quando pude respirar de novo. Sr Nando estava jogado no chão com a marca de um tiro na testa. Os olhos ainda abertos e o corpo já gelado. Sim, eram profissionais e queriam deixar a marca do assalto na morte do porteiro. 

Ah, não era necessário terminar assim. E eu poderia ser a próxima vítima se não me mantivesse quieta. Fiquei pensando em algo para impedir aquilo. Ligar para a polícia é  claro. Mas deixei minha bolsa na sala com a janela aberta. Como fui idiota, eles perceberiam que havia alguém mais no prédio. 

Então meu único impulso foi escorregar para o chão e me aconchegar por trás do corpo do porteiro e ali comecei a chorar baixinho, nunca estive tão perto assim de um morto. O barulho dos carrinhos ficou mais intenso, mais próximos. Não pude identificar o que diziam. Esperei muito que a porta se abrisse e eu levasse também um tiro. Fui me aninhando cada vez mais ao corpo do Sr Nando e acho até que fiz uma prece. Não dei conta mais de mim. 

Só acordando, despertando de um torpor que tomava conta de mim, com uma mão quente sobre a minha cabeça, alisando meus cabelos.

Pude ver o sorriso nos lábios do policial por me encontrar viva

- Você está bem ? Sem algum ferimento? 

- Sim estou bem -  voltei a chorar como uma criança assustada.

- Foi você que ligou as câmeras? - ele me perguntou curioso.

- Sim, eles descobriram ? O que aconteceu? Acho que dormi. 

Ele percebeu que eu me agarrava ao braço do porteiro.

- Você  está em choque. Mas foi uma boa menina. Vamos poder pegar todos eles. 

Assim ele me ajudou a levantar, colocou um cobertor sobre mim, eu estava gelada e me conduziu para a porta de vidro onde tinha muita gente, o trânsito intenso e um  sol que brilhava no céu azul.

 

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 07/04/2025
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