Um alarme precoce
Eu sempre achei que viver em um prédio antigo tinha seu charme. As paredes de tijolos expostos, as escadas de madeira rangendo sob meus pés e o cheiro de história em cada canto. Mas, conforme os dias passavam, comecei a perceber que havia algo errado com a eletricidade do meu prédio. Pequenos sinais que, se tivessem sido notados antes, poderiam ter mudado o curso das coisas. Foi numa manhã qualquer que o primeiro sinal me chamou a atenção. Ao acordar, fui para a cozinha preparar meu café. Assim que liguei a cafeteira, uma faísca saltou da tomada. O barulho foi tão alto que quase deixei o jarro cair das mãos. Olhei para a tomada e vi um pequeno cheiro de queimado. “Deve ser apenas uma sobrecarga”, pensei, tentando me convencer de que não era nada sério. Nos dias seguintes, outros sinais começaram a se acumular. As luzes do corredor piscavam frequentemente, como se quisessem me alertar sobre algo. A minha vizinha debaixo, Dona Elvira, comentou sobre o ventilador dela que havia parado de funcionar sem explicação. “Isso é coisa da idade do prédio”, eu dizia para mim mesma. Mas a inquietação crescia dentro de mim. Certa noite, ao voltar do trabalho, encontrei o elevador parado no andar térreo e um cheiro estranho no ar — algo entre queimado e umidade. Fui até a portaria e encontrei o síndico, seu Carlos, sentado à mesa com os pés apoiados na cadeira e a cabeça reclinada para trás como se estivesse tirando uma soneca. “Carlos! Você percebeu como as luzes estão piscando e o cheiro no elevador? Deveríamos chamar um eletricista”, falei com firmeza. Ele abriu os olhos lentamente e me olhou como se eu estivesse falando em outra língua. “Ah, isso é normal em prédios antigos. Não precisa se preocupar tanto”, respondeu com desdém, voltando a fechar os olhos. Aquela resposta me deixou indignada. Como ele podia ignorar os sinais claros? Decidi que precisava fazer algo mais. No dia seguinte, fui até o centro da cidade e conversei com um eletricista conhecido por fazer boas avaliações em prédios antigos. Ele me disse que era fundamental realizar uma inspeção completa nas instalações elétricas. Com as informações na cabeça, voltei para casa decidida a alertar os moradores sobre os problemas elétricos. Organizei uma reunião no salão do prédio e convidei todos para discutir as preocupações que tinha acumulado nas últimas semanas. Na reunião, expus cada sinal que havia notado: as faíscas na cozinha, as luzes piscando incessantemente e o cheiro estranho no elevador. A maioria dos moradores ouviu atentos, mas quando olhei para Carlos, ele parecia mais interessado em navegar pelo celular do que ouvir minhas preocupações. “Precisamos agir agora antes que seja tarde demais! Um incêndio pode acontecer a qualquer momento!” minha voz ecoou pelo salão. Carlos levantou-se de sua cadeira com um sorriso cínico nos lábios. “Ana Paula, você está exagerando! O prédio está aqui há décadas e nunca aconteceu nada! Vamos deixar isso pra lá.” As palavras dele cortaram como uma faca afiada. Desmotivada mas determinada, decidi não desistir. Comprei algumas lanternas e deixei avisos nos andares sobre os problemas elétricos potenciais. Eu sabia que precisava fazer mais do que apenas falar; precisava agir. Infelizmente, não consegui convencer ninguém a tomar medidas imediatas. O tempo passou e eu continuei observando os sinais alarmantes: mais faíscas nas tomadas e um zumbido constante vindo da caixa de distribuição elétrica no térreo. Uma noite fatídica chegou sem aviso prévio. Estava trabalhando em um projeto importante em casa quando fui interrompida pelo som ensurdecedor de um estalo forte vindo do corredor. O ar ficou pesado com o cheiro de fumaça densa e eu sabia que algo estava muito errado. Corri para fora do meu apartamento e vi chamas dançando no final do corredor — o fogo estava se espalhando rapido pela fiação antiga do prédio. As luzes piscavam freneticamente enquanto eu gritava por ajuda. Bati à porta dos meus vizinhos desesperadamente enquanto tentava lembrar onde estavam todos — Dona Elvira estava dentro de casa assistindo à novela; outros estavam alheios ao caos iminente. O pânico tomou conta do prédio enquanto tentávamos escapar pelas escadas estreitas. A fumaça tornava tudo mais difícil; meus olhos ardendo enquanto lutava contra a escuridão densa ao meu redor. Quando por fim conseguimos chegar ao térreo, notei que muitos dos meus vizinhos ainda estavam presos nos andares superiores — gritos ecoavam enquanto tentavam encontrar uma saída segura. A sirene dos bombeiros soou ao longe enquanto assistíamos impotentes ao nosso lar sendo consumido pelas chamas vorazes. O calor era intenso; sentia uma dor profunda no peito ao perceber que havia tentado alertar todos sobre isso antes — mas foi tarde demais. Naquele momento trágico, percebi que os pequenos sinais que ignorei poderiam ter sido evitados se apenas tivéssemos escutado uns aos outros. O prédio não era apenas uma estrutura; era nosso lar — cheio de histórias e vidas interligadas. Quando vi as chamas sendo controladas pelos bombeiros e as pessoas sendo resgatadas em meio ao caos, senti uma mistura profunda de tristeza e impotência por tudo o que poderia ter sido evitado se apenas tivéssemos prestado atenção às pequenas pistas antes que elas se tornassem tragédias irreversíveis.
Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 08/11/2024
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