Ana Lago de Luz

E na beleza das flores... e nas ondas do mar!

Textos


 

 

As digitais de um anjo

 

Solano estava com muita sede então resolveu entrar no bar e pedir uma água,que sorveu de uma vez só. Pouco vinha a cidade e percebeu que uma jovem observava- o com um olhar misterioso.

Ele era conhecido por sua corcunda nas costas, que se assemelhava às asas de um pássaro quebradas, como se a própria natureza tivesse lhe concedido a capacidade de voar, mas lhe negado a liberdade de fazê-lo.

 Vivia à margem da sociedade, muitas vezes incompreendido e até mesmo temido por sua aparência estranha. As pessoas o evitavam, sussurravam histórias sobre sua origem misteriosa e criavam lendas sobre os poderes ocultos que ele poderia possuir.

No entanto, por trás da corcunda e das asas partidas, havia um coração sensível e uma mente brilhante. 

Seu destino parecia traçado de forma singular desde o seu nascimento. Ele carregava nas costas uma corcunda tão proeminente que lembrava as asas de um pássaro partidas, impossibilitado de voar. Desde criança, Solano era alvo de olhares curiosos e sussurros de compaixão por parte dos moradores da cidade.

A corcunda dele era motivo de desafio para ele mesmo. Enquanto os outros jovens corriam pelos campos e se divertiam nas brincadeiras, ele muitas vezes se via limitado pela sua condição física. No entanto, sua alma ansiava por voar, por alcançar os céus e explorar horizontes desconhecidos.

Certo dia, um homem misterioso chegou a cidade e percebeu a aura de determinação que envolvia Solano. Ao se aproximar do jovem rapaz,  viu além da corcunda em suas costas e reconheceu nele uma força interior incomum.

E lhe disse com serenidade, "Você carrega consigo as marcas de um destino único. Suas 'asas partidas' são na verdade um símbolo de sua força interior e da sua capacidade de superar limitações."

Intrigado com as palavras do homem, Solano decidiu seguir seus conselhos e embarcar em uma jornada de autoconhecimento e superação. Ele passou a dedicar-se a aprender sobre plantas medicinais, tornando-se um curandeiro . Sua bondade e sabedoria eram como um bálsamo para os corações aflitos dos moradores da cidade. Vivia recluso numa cabana no campo mas sempre disposto a atender quem lhe procurasse.

 A corcunda de Solano deixou de ser vista como uma limitação e passou a ser admirada como um símbolo de sua sabedoria e compaixão. As pessoas vinham de longe em busca de seus conselhos e tratamentos, encantadas com a luz que emanava daquele que um dia fora considerado um estranho.

Ele aprendeu que as verdadeiras asas não estão nas costas, mas sim no coração daqueles que buscam voar além das limitações impostas pela vida. Sua jornada transformou não apenas a si mesmo, mas a todos que passou a enxergar a beleza na diferença e a força na superação.

E assim, voava sem nunca ter deixado o chão, tocando os céus com sua alma livre e suas "asas partidas" que se tornaram símbolo de esperança e inspiração para todos aqueles que cruzaram seu caminho.

Ele tinha um sonho recorrente que o transportava para um mundo de liberdade e leveza. No silêncio da noite, ele fechava os olhos e se via voando pelos céus, com suas corcovas transformadas em asas poderosas que o elevavam acima das nuvens.

Nesse sonho,  sentia o vento acariciar seu rosto e o sol aquecer suas costas. Ele planava sobre florestas exuberantes, rios serpenteantes e montanhas majestosas, mergulhando na imensidão azul do firmamento com uma sensação indescritível de paz e plenitude.

Enquanto voava, percebia que suas "asas partidas" não eram mais um fardo, mas sim uma dádiva que o conectava com o divino e o transcendental. Ele compreendia que a verdadeira liberdade não estava na capacidade de voar fisicamente, mas sim na aceitação de quem era e na gratidão pelas experiências que moldaram sua jornada.

Ao acordar todas as manhãs após esse sonho inspirador,  sentia-se revigorado e cheio de determinação para enfrentar os desafios do dia a dia. Ele sabia que, mesmo sem poder voar fisicamente, sua alma podia alcançar alturas inimagináveis e tocar os céus com a mesma intensidade e beleza.

Mantinha sua missão de curar corações e almas , inspirando todos ao seu redor com sua sabedoria, compaixão e a certeza de que, mesmo com "asas partidas", era possível voar alto nos horizontes infinitos do céu.  

Enquanto sentia o olhar da mulher no bar imaginou uma conversa casual com ela de forma leve e amorosa.  Percebeu que se interessava por ela e sua beleza exuberante.  Em sua mente ela lhe dizia "  Suas palavras e seus gestos têm tocado profundamente o meu coração. Sinto que há uma luz especial em você, uma sabedoria que vai além das aparências. Gostaria de conhecê-lo melhor."

Ele olhou nos olhos dela, percebendo a sinceridade e a ternura em seu olhar.

" É uma honra receber suas palavras tão generosas. Você também irradia uma luz única, um brilho que ilumina o caminho daqueles ao seu redor. Estou aqui para ouvi-la e compartilhar o que estiver ao meu alcance."

Ela sorriu levemente, sentindo o coração acelerar diante da presença tranquila e acolhedora dele. "Tenho refletido sobre as suas histórias e ensinamentos, e sinto que algo especial está nascendo em meu peito. Uma chama que arde com intensidade sempre que estou perto de você. Será loucura me apaixonar por um homem com 'asas partidas'?"

 Escutou atentamente as palavras dela, sentindo o calor da emoção inundar seu ser.

"Sua coragem em expressar seus sentimentos é admirável. O amor não conhece limites ou barreiras físicas. Ele é a essência pura que nos conecta uns aos outros, independente das circunstâncias externas. Se o seu coração encontra em mim um motivo para bater mais forte, então permita-se sentir e viver essa emoção com plenitude."

Os olhos dela brilharam com gratidão diante das palavras sábias. "Obrigada por compreender e acolher o meu amor. Que possamos caminhar juntos nesta jornada incerta, confiando no poder transformador do afeto sincero."

Mas era somente devaneios de sua mente .Solano  só via o melhor nas pessoas.

  A mulher se aproximou de forma sensual  e insinuante. " Você não quer me pagar uma bebida ?"  disse sorridente . Solano não bebia. Mas ofereceu o que ela quisesse. Tentou lembrar  se havia visto ela alguma vez . Sem êxito. Não havia nela nada que mentalmente imaginara. Era uma mulher comum  a procura de companhia para aquela noite. E com o passar das horas a tranquilidade dele foi tomado por impulsos de desejos e uma alegria contagiante. 

Como o homem misterioso que um dia atravessou seu caminho, aquela mulher despertava anseios nunca conhecidos por ele. Ela representava a terra em que estava preso por condição. 

Acabaram em um motel barato e pela primeira vez Solano se mostrou nu diante de alguém. 

" Como é  seu nome? " perguntou a ela enquanto acariciava seu corpo e recebia carícias das mãos ágeis dela " De que importa um nome , sou a terra em que você é  obrigado a pisar eternamente" . Ele calou- se num beijo, no calor do corpo, no encontro. Seu desejo instintivo amou aquela mulher com fevor. Refeito do gozo, deitado de bruços  deixando que ela tocasse as corcundas nas costas onde só sua mãe um dia tocara.  E ela sussurrou em seu ouvido " doeu quando partiram suas asas ?" Ele silencioso sorriu intrigado. 

E enquanto já era noite alta e uma lua majestosa brilhava no céu, diante do corpo nu daquela mulher que dormia tranquilamente, Solano pressentiu que algo havia mudado. Asas agigantavan-se das suas costas, podia ver a sombra delas pelas paredes do quarto. 

E por fim, o jovem estranho das asas partidas, o curandeiro de corações e almas desoladas, alçou voo pela janela ao encontro da lua no céu.  

 

 

 

 

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 18/09/2024
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras