Passaro preso na gaiola
Diante do portão de grade a menina olhava curiosa e maravilhada. Como todas as crianças achava que aquela casa era um jardim de infância. Com estátuas coloridas, uma fonte enorme, um viveiro e várias gaiolas de pássaros. Salvo pelo silêncio que reinava e a extrema limpeza do local. Viu o homem sentado na cadeira com um livro na mão e não pode deixar de perguntar : - Moço, quantos pássaros tem nestas gaiolas? Ele demorou para olhar para ela como se ela estivesse incomodando seu silêncio. - Eu não sei, nunca contei. - Eles são lindos. Ao olhar mais atentamente para a menina pode perceber que não tinha mais de dez anos e sua cabeça completamente sem cabelos era adornada com uma fita com um laço cor de rosa. - Mamãe diz que pássaros devem viver em liberdade, mas eles parecem tão felizes. - Eu também acho. E ele se levantou, deixando o livro na cadeira e aproximou-se do portão. - Você quer olhar de perto? - Dos olhos com olheiras enormes e do rosto infantil brotaram um sorriso. Que foi impedido pela chegada da mãe. - Não perturbe o senhor, Marcela. Você não tem modos ? Ele , Sr Elias era respeitado por todos, pois sempre tinha uma palavra de conforto e um conselho sábio para dar. Com sua serenidade e calma, acolheu a menina para que olhasse de perto . Eles moravam numa pequena vila num local arborizado e além dos pássaros nas gaiolas; rolinhas, pardais e alguns beija flores vinham beber água na fonte no centro do jardim . A menina maravilhou-se com a beleza e o canto dos pássaros, correu pelo jardim e ria alto. Logo depois sua mãe a levou para casa. Naquela tarde, um grupo de jovens curiosos bateu à porta da casa de Elias, ansiosos por ouvir uma de suas histórias inspiradoras. Sentado em sua cadeira de madeira desgastada pelo tempo, ele começou a falar sobre os pássaros presos em gaiolas."Meus jovens amigos", começou Elias com voz serena, "os pássaros são criaturas destinadas a voar livremente pelos céus, a cantar suas melodias e a experimentar a plenitude da liberdade. No entanto, quando os aprisionamos em gaiolas, cortamos suas asas e os privamos de sua natureza essencial." Os olhos dos jovens brilhavam enquanto o velho continuava sua narrativa. Ele contou sobre a tristeza dos pássaros enjaulados, que mesmo alimentados e cuidados, perdiam seu brilho e vitalidade ao serem privados do voo e da liberdade. "Assim como os pássaros presos em gaiolas", concluiu Elias, "nós também podemos nos sentir aprisionados por limitações autoimpostas, medos e inseguranças que nos impedem de alcançar nosso potencial pleno. Devemos aprender a reconhecer essas gaiolas invisíveis que nos cercam e encontrar a coragem para quebrá-las, buscando a verdadeira liberdade interior." Os jovens ouvintes refletiram sobre as palavras de Elias, levando consigo a lição valiosa sobre a importância de buscar a liberdade, a autenticidade e a realização pessoal em suas vidas. " O verdadeiro voo da alma só pode acontecer quando se liberta das gaiolas que a prendem." Ele deixou uma dúvida pairar no ar. E seus pássaros dentro das gaiolas ? Elias passava seus dias cuidando de gaiolas e viveiros de pássaros que pertenceram à sua falecida esposa, uma amante da natureza e dos cantos melodiosos das aves. Curiosamente, as gaiolas sempre permaneciam com suas portas abertas, mas os pássaros ali contidos nunca voavam para a liberdade. Ele observava paciente essas criaturas emplumadas, alimentando-as, conversando com elas e oferecendo-lhes todo o cuidado e carinho que podia. Os moradores da vila se perguntavam por que os pássaros não voavam para longe, aproveitando a oportunidade de escapar de suas gaiolas. Um dia, um jovem curioso decidiu visitar Elias e questioná-lo sobre esse mistério. Ao ser indagado pelo jovem sobre o motivo dos pássaros não aproveitarem a chance de voar livremente, ele sorriu com serenidade e respondeu: "Meus pequenos amigos têm asas para voar, é verdade. Mas eles escolhem ficar aqui comigo, pois encontram conforto e segurança neste jardim que um dia foi lar também da minha amada esposa." Elias explicou ao jovem que os pássaros haviam criado laços afetivos com ele, com a casa e com o jardim onde cresceram e foram cuidados com tanto amor. Eles encontravam naquela atmosfera familiar um refúgio tranquilo e acolhedor, onde podiam viver em paz e em harmonia. Os pássaros continuaram a habitar as gaiolas com as portas abertas, simbolizando a escolha consciente de permanecer ao lado daquele homem, compartilhando sua sabedoria, sua solidão e seu amor pela natureza. E assim seguia a vida naquela casa cercada de cantos de pássaros e envolta em memórias de tempos felizes. O jovem lhe disse." Venho observando os pássaros em suas gaiolas com as portas abertas e fico intrigado. Por que eles não voam para a liberdade? Não seriam mais felizes livres pelo céu?" Elias sorriu "Ah, jovem curioso, vejo que a questão dos pássaros também despertou sua atenção. Os pássaros têm asas para voar, é verdade, mas a liberdade nem sempre está fora das gaiolas." o jovem intrigado "Mas como assim ? Não é natural para os pássaros alçarem voo e explorarem os horizontes sem limites? A duvida do jovem era de muitos . "Certamente, meu jovem. No entanto, esses pássaros escolheram permanecer aqui comigo, talvez porque encontrem algo mais do que a liberdade física. Eles acharam um lar, uma família e um propósito neste jardim. Ainda mais curioso o jovem disse "Um propósito? Mas como podem ter um propósito ao ficarem confinados em gaiolas?" Elias respondeu sabiamente "O propósito nem sempre está ligado à liberdade de ir e vir, jovem amigo. Esses pássaros encontraram significado em suas vidas ao compartilharem este espaço comigo, ao aprenderem com minhas palavras e ao sentirem o calor do meu afeto." E o jovem concluiu "Entendo... Então, a liberdade verdadeira pode estar na escolha de onde queremos estar e com quem queremos compartilhar nossas vidas?" Elias acatava as questões do jovem com paciência "Exatamente, a liberdade reside na capacidade de escolher o que nos faz sentir plenos e realizados, mesmo que essa escolha nos mantenha aparentemente presos. Os pássaros aqui presentes são livres para voar, mas escolhem ficar. Assim como eu escolho cuidar deles e encontrar alegria nessa convivência." Os pássaros nos ensinam muito mais do que imaginamos. No outro dia pela manhã Elis entre seus afazeres recebeu a visita de um vizinho "Bom dia, . Venho até você com um pedido sincero. Tenho observado os pássaros em suas gaiolas com as portas abertas e não posso deixar de sentir pena deles. Eles foram feitos para voar livremente, para explorar os céus. Por que não os deixa partir?" Elias já estava acostumados com estas questões "Bom dia, meu caro, compreendo sua preocupação e sua visão sobre a liberdade dos pássaros. No entanto, permita-me explicar que esses pássaros têm escolhido permanecer aqui comigo, mesmo com as portas abertas." E o vizinho retrucou "Mas não seria mais justo e compassivo deixá-los experimentar a verdadeira liberdade lá fora? Eles podem encontrar felicidade voando livres, longe das gaiolas. Para Elias a curiosidade das pessoas era normal . "Entendo seu ponto de vista, no entanto, a liberdade vai além das fronteiras físicas. Esses pássaros encontraram um lar e um propósito aqui, ao meu lado. Eles não estão aprisionados, mas sim escolhem permanecer." Antes de partir o vizinho ainda disse "É uma perspectiva interessante, mas será que você não estaria limitando o potencial dessas criaturas aladas ao mantê-las aqui? Talvez elas possam descobrir algo novo e maravilhoso voando pelos céus." E por fim Elias tornou a falar "É compreensível sua preocupação, porém a verdadeira liberdade está na escolha consciente de onde queremos estar e com quem queremos compartilhar nossas vidas. Esses pássaros encontraram conforto e significado aqui, e respeito a decisão deles. Naquela mesma tarde a mãe da menina do laço cor de rosa parou no portão de Elias. Ele a recebeu em silêncio. " A doença venceu minha filha. Tenho que sepulta-la amanhã mas o único lugar que queria estar era onde a vi feliz pela última vez." Elias a puxou pela mão para que entrasse no jardim. E magicamente e de forma inusitada, os pássaros começaram a emitir um canto uníssono e se agitar nas gaiolas. Todos saíram da suposta prisão e voavam em torno daquela mulher. Uns voavam mais alto, outro bem próximos dela. Muiticores de serenidade e compaixão. Elias se admirava-se. Foi por poucos minutos e voltaram em revoadas para dentro das gaiolas. A mulher, num choro aliviado partiu sem dizer nada. E Elias observou que no chão do viveiro havia um pequeno pássaro morto. Colorido, inerte com os olhos fechados. Ele o aninhou com cuidado entre as mãos e sentou-se em sua cadeira, e em prece ouviu a voz de sua esposa dizer " vai ficar tudo bem "
Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 11/09/2024
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