Ana Lago de Luz

E na beleza das flores... e nas ondas do mar!

Textos


 

 

A Chama Efêmera

 

Luzimar, filha de D Inês acendeu  mais uma vela, limpando as lágrimas do rosto.  

Era noite silenciosa e escura, na pequena vila de São Miguel, e uma  vela solitária ardia em um canto esquecido da capela centenária. Sua chama vacilante dançava ao sabor do vento, iluminando de forma tênue os rostos sérios dos fiéis que se reuniam para o velório de Dona Inês, a matriarca respeitada da comunidade.

Enquanto as lágrimas escorriam silenciosas e os murmúrios de despedida ecoavam pelas paredes de pedra, a vela parecia pulsar em sintonia com as emoções à sua volta. Sua luz frágil e fugaz era um lembrete constante da efemeridade da vida e da inevitabilidade da morte, envolvendo o ambiente em uma aura de melancolia e resignação.

Uma amiga de Luzimar aproximou-se diante da vela e da filha desolada :

- Estou me sentindo perdida, sem chão... Minha mãe se foi e parece que um pedaço de mim se foi junto com ela.

-  Sinto muito pela sua perda, amiga. Sei que não há palavras que possam confortar a dor da sua ausência, mas estou aqui para o que precisar. Sua mãe era uma pessoa incrível e tenho certeza de que está olhando por você lá de cima.

-  Obrigada por estar ao meu lado nesse momento tão difícil. É difícil aceitar que nunca mais poderei abraçá-la, ouvir sua voz, compartilhar meus momentos com ela...

-  Permita-se sentir todas as emoções que estão dentro de você. O luto é um processo doloroso e cada um vive à sua maneira. Sua mãe estará sempre presente em suas lembranças, nos ensinamentos que deixou e no amor que compartilharam.

-  Sinto como se tivesse um vazio imenso dentro de mim, como se nada pudesse preencher a falta que ela faz... Como seguir em frente sem a presença dela ao meu lado? - começou a rezar baixinho diante da vela trêmula ao vento 

-  Com o tempo, esse vazio pode se transformar em saudade serena e em lembranças reconfortantes. Sua mãe vive em você, nos gestos, nas palavras, no amor que compartilharam. Encontre forças na memória dela para seguir em frente, honrando seu legado e vivendo da melhor forma possível.

Luzimar fez uma pausa e disse -  Você tem razão... Preciso me agarrar às lembranças felizes, ao amor que nos unia. Minha mãe sempre me ensinou a ser forte e a enfrentar os desafios da vida com coragem. Vou tentar seguir seus ensinamentos e encontrar paz no meu coração.

- Estarei sempre aqui para apoiá-la, amiga. Sua mãe foi uma mulher incrível e tenho certeza de que está orgulhosa da filha maravilhosa que criou. Conte comigo para o que precisar, estaremos juntas nesse caminho de superação e aceitação.

À medida que as horas avançavam e as histórias sobre Dona Inês eram compartilhadas entre os presentes, a chama da vela parecia diminuir gradualmente, como se acompanhasse o declínio da vida que se despedaçava ali naquela noite sombria. Cada lembrança evocada, cada suspiro de saudade, parecia roubar um pouco mais de sua luz incandescente.

Enquanto os velhos rezavam em silêncio e os jovens se abraçavam em busca de consolo, a vela continuava sua dança solitária, testemunha silenciosa do ciclo implacável da existência. Sua chama vacilante era um lembrete humilde da fragilidade do ser humano diante do tempo e da finitude de todas as coisas terrenas.

No momento derradeiro em que o corpo de Dona Inês era conduzido para seu descanso final, a vela alcançou seu fim inevitável. Sua chama titubeante se apagou lentamente, mergulhando a capela em uma penumbra densa e pesada que refletia a dor coletiva dos presentes. O silêncio sepulcral que se seguiu foi interrompido apenas pelo eco distante dos sinos da igreja, marcando o fim de uma vida e o início de uma jornada além do véu da mortalidade.

E assim, na penumbra da capela iluminada apenas pela memória da chama extinta, os fiéis se despediram de Dona Inês com um misto de tristeza e gratidão por tudo o que ela representara em suas vidas. A vela apagada jazia como um símbolo silencioso da transitoriedade da existência humana, lembrando a todos ali presentes da importância de valorizar cada instante vivido com amor e plenitude.

Ao fim do sepultamento, naquela manhã fria, Luzimar voltou a capela e de onde a finitude da vela extinguida, jazia outra vela ardente e pulsante, celebrando a vida. 

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 30/07/2024
Alterado em 30/07/2024
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