Ana Lago de Luz

E na beleza das flores... e nas ondas do mar!

Textos


Mais uma chance 

 

Entrei no quarto para colocar Ramom na cama, já fazia horas  que estava sentado de frente para a janela, o quarto estava escuro. Quando fui toca-lo de forma delicada para não assustar percebi que queimava em febre. Ainda abracei o corpo dele que estava estremecido.

Chamei Angela bem alto.

- temos que levar ele ao hospital .

- por uma febrinha, mãe , que é  isto? 

- tira aquele carro da garagem agora. 

Ele não reclamava e nem parecia sentir dor. Pedi que calçasse o tênis apontando para ele no chão e lhe entreguei um casaco. 

Meu filho não falava e acho que não escutava também,  desde que sofreu um acidente de carro que resultou na morte de seu irmão gêmeo. Vivia num mundo silêncioso e a parte de tudo que acontecia. Não expressava sentimentos de forma nenhuma. 

No hospital foi detectado que estava com uma infecção de garganta, o médico receitou remédios e voltamos para casa.

O que eu estava na mente em alugar uma casa em Arraial do Cabo fora da estação? Não havia uma farmácia aberta aquela hora. Eu só tinha dipirona em casa. Devia bastar para a madrugada. 

Mas ele ainda tinha febre pela manhã e não quis comer nada. Mandei Angela comprar os remédios e senti que ele arfafa com a boca. Devia estar com sede. Dei a goles pequenos para que não vomitasse. 

Já medicado a febre parecia diminuir. Ficou deitado o dia inteiro. Só levantei ele uma vez para ir ao banheiro.

- a senhora faz tudo pra ele  . Só falta respirar por ele.

- eu prefiro leva-lo ao banheiro do que limpa-lo todo mijado. Não sou você que mete a mão nele.

Angela era minha filha mais velha e não suportava a ideia de cuidar do irmão. Batia nele constantemente por ações pequenas que ele não completava. Se sujasse a mesa com comida, ela já apanhava a sandália do pé e tascava no braço dele. Se deixasse um copo cair no chão ela batia tanto nele, colérica, que eu tinha que intervir pois ele não demonstrava nenhuma atitude. 

Ficamos cinco dias sem ir a praia por conta da garganta de Ramom. Angela não se contentava com a piscina e dava vários cascudos na cabeça do irmão quando passava por ele.

Não tinha como argumentar, ela odiava o fato dele ter vivido e não Renam e ainda por cima ter ficado daquele jeito. Era o jeito dela exteriorizar seu mal estar. 

E ele encontrou  sua forma de lidar com a situação. Numa concha fechada, sem falar, sem ouvir, sem esboçar um único sentimento. 

Já se sentindo melhor resolvemos ir a praia. Enquanto eu partia o pão para dar em suas mãos, Ramom me fitava com carinho. Eu amo meu filho de qualquer jeito. E cuidando dele não tive tempo de viver o luto de Renan , que partiu sem sequer se despedir de mim,  naquela tarde fatídica. 

Coloquei Ramom para tomar sol enquanto Angela se bronzeada num minúsculo biquíni,  numa cadeira um pouco longe de nós.  

- quem quer uma água de coco ? - quebrei o silêncio entre nós. Angela levantou o dedo e eu levantei a mão de Ramom. 

Demorei um pouco no quiosque para fazer o pedido. O rapaz levaria na areia. 

Quando voltei Ramom não estava na cadeira.

- onde está ele, Angela?

- foi pra água,  ele sabe nadar.

Entrei em desespero. Ele era otimo nadador mas nao dicernia mais a  hora que tinha vontade de comer ou mijar.  Corri para a beira da praia olhando para todos os lados. Tive a sensação de perder mais um filho. 

Quando por fim avistei dois salva vidas trazendo um homem do mar.

Ao deita-lo sobre a areia uma pequena multidão já se formara. Me ajoelhei sobre o corpo

- é  meu filho ! 

Da inércia do seu corpo ele  começou a contorse-se e jogando o peito para frente colocou água pela boca. Tossiu. E agarrou meu braço. Jogou os braços para trás para respirar melhor. 

- acho que não precisa levar ao hospital não- disse um dos salva vidas. 

Eu queria dar espaço a ele ao mesmo tempo que queria abraçá-lo. 

Os homens me ajudaram a levar ele de volta para a cadeira e senta-lo. Já refeito eu percebi que ele esticou a perna e chutou a cadeira da irmã,  virando-a no chão.  Antes que ela xingasse um palavrão e partisse para cima dele, ele levantou-se e foi apanhar sua água de coco  em cima da mesa, de forma prazerosa. 

 

 

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 27/07/2024
Alterado em 27/07/2024
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