Ana Lago de Luz

E na beleza das flores... e nas ondas do mar!

Textos


As vovós do crime

 

 

Lurdinha acordou sentindo o cheiro do café e do bolo de fuba já prontos. Esticou-se na cama até encontrar o pelo macio de Belinha que dormia no canto junto a parede . Afagou um pouco a cadelinha que não acordou. Pensou em como ela estava velha, perdendo aquele jeito brincalhão de abanar o rabo quando era acariciada. 

Levantou-se e foi ao banheiro sem antes dar um beijo de bom dia em sua irmã Albertina que já estava atarefada na cozinha.

Jogou-se na cadeira um pouco desanimada para o café 

- Belinha não está bem.  Nem reagiu ao meu afago.

- Lembra o que a veterinária disse? Ela já está com quase vinte anos. A qualquer momento ela pode ir. 

- Vou sentir falta dela.

- Vamos sentir. Se anima que hoje tem trabalho. 

Partiu um pedaço de bolo ainda quente e a irmã lhe serviu o café. 

- Estou adiantando o almoço.  Não sei se o banco vai estar cheio. E aquela maldita fila de idosos não anda. 

- Escutei tiros esta noite , será que está tranquilo para sair ? 

- Os meninos ajudam a gente. Não se preocupe. 

- Saudades eu tenho dos meus meninos lá do sertão.  

- Você está muito saudosa hoje. Isto dá azar. 

Lurdinha e Albertina eram irmãs e desde pequenas faziam uma companhia para outra. 

Das bonecas com espigas de milho ao começo do trabalho árduo na lavoura. De ver o corpo mudar de meninas para mulheres e os casamentos. Engravidaram juntas pela primeira vez e depois não contaram mais o número de filhos que tiveram , os que vingaram e os  que enterraram. 

Era uma vida árdua no sertão da Paraiba mas como aprenderam o oficio  de fazer croche,  com linhas e agulhas, podiam cuidar mais dos filhos e da própria roça pois tinham sempre encomendas de toalhas de mesa e colchas das mulheres dos fazendeiros. 

Eram tida como privilegiadas pelos ensinamentos da avó Mariazinha. 

Ainda mantiam o costume de fazer croche para vender mas o trabalho oficial era outro.

Chegaram a morar numa casa do subúrbio bem acolhedora, com quintal para fazer uma horta. Mas para própria proteção,  mudaram para o centro de uma favela, numa casa bem humilde e apertada. Com um quintal minúsculo que só dava para estender roupas. 

Saíram cedo, descendo as vielas da favela para encontrarem lá embaixo o carro que as conduziriam ao trabalho. No caminho Lurdinha reclamou:

- Não quero viajar mais. As três semanas em Goiás me deixaram cansada e com muita saudade da Belinha.

- Acho que tem bastante serviço  aqui no Rio, não pense nisto agora. 

Entraram num Logan preto e cumprimentaram as duas mulheres nos bancos da frente. Ficaram caladas todo o percurso só ouvindo as instruções. O trabalho era o mesmo de sempre e já estavam acostumadas .

Já estavam no Rio de Janeiro a quase vinte anos, vieram do sertão para lavar e passar roupa na casa de gente rica. Mas não passou muito tempo para a filha de uma patroa lhes oferecer novo emprego. 

Agora, já contavam com 79 e 78 anos e o serviço ficava mais fácil. Era mulheres franzinas, muito enrugadas pelo tempo e pelo sol. Mas com uma vitalidade e saúde de ferro. 

O esquema era o seguinte, pegavam documentos falsos com as mulheres do carro, funcionárias do INSS e iam ao banco receber a aposentadoria de pessoas que já tinha falecido. 

Em Goiás percorreram várias cidades dando este golpe. Eram muito amáveis e educadas conquistando sempre a simpatia dos funcionários dos bancos. 

Albertina era a mais velha e bem esperta, falava bem. Lurdinha, quieta e de aparência frágil,  fazia tudo com maestria mas era mais calada  . Já estavam nisso a anos e juntavam dinheiro para mandar aos parente, filhos e netos  na Paraiba. 

Só que naquele dia, numa agência do Banco do Brasil, um atendente ficou desconfiado delas pois a poucos dias outra pessoa pegara a aposentadoria da mesma beneficiária. Pediu que Lurdinha esperasse e chamaram a polícia. Albertina já feito seu ganho ficou esperando com a irmã 

- Acho que deveríamos ir embora - disse Lurdinha - hoje Belinha não está bem, não podemos demorar. 

- Vamos sair então, elas vão entender. 

Mas quando saíram do banco e já iam entrar no Logan preto fora flagradas por policiais. Ele pediram que as duas senhoras e as duas mulheres saíssem do carro para revistar. 

Encontraram duas mochilas cheias de documentos falso e dinheiro. E a soma de 4 mil reais do saque de Albertina. 

Seriam autuada  por estelionatario e associação  ao crime. As duas mulheres, foram identificadas como funcionárias do INSS e foram logo algemadas. Mas as duas irmãs ficaram apenas encostadas no carro.

Foi neste instante que uma confusão se deu enfrente da agência do banco, na calçada. Tinha um carro forte estacionado do lado da viatura dos policiais e policiais armados aguardavam a retirada do dinheiro do banco. E uma mulher junto a porta do banco gritou. 

- Socorro, pega ladrão! 

Se ela fazia parte da quadrilha de golpistas não se sabia. Se era uma forma de distrair os policiais nunca se soube. Mas uma onda de pessoas correndo e falando bem alto se formou. Os policiais enfiaram as duas mulheres na viatura e foram averiguar o ocorrido.

Lurdinha e Albertina ficaram sozinhas, esquecidas, estáticas diante do ocorrido. 

Elas se deram as mãos e começaram caminhar lentamente. Uma abriu sua sombrinha florida e a outra colocou um lenço na cabeça. Sem rumo, apenas caminhavam em direção da rua que cortava a Avenida central onde estava a agência bancária e o tumulto formado.  

Entraram numa igreja e ajoelhadas em bancos distantes uma da outra começaram a rezar. Colocaram um véu rendado preto na cabeça e deixaram o coração desacelerar.

A polícia nem entrou na igreja para procura-las. O foco estava nas duas mulheres mais jovens e mandantes do crime. 

Passado algum tempo  saíram juntas , de braço dados em direção do ponto de ônibus. Parecia que tudo tinha acalmado. 

Entraram no ônibus aliviadas. Tinham um longo percurso até sua casa.  

Lurdinha foi que falou primeiro pois estavam caladas  desde então.

- Faz um franguinho para eu dar para a Belinha ? 

- Temos as encomendas das toalhas para entregar.

- Hoje senti falta de casa.

- Deixa as coisas acalmarem . Vamos viajar para a Paraiba, voltar para o sertao .

- Ah, não tenho vontade. E deixar de novo Belinha com o Sr Orlando ? Como levar ela ? 

- Pensamos nisto depois.

Lurdinha cochilo no ônibus. 

Subiram a ladeira até em casa , cansadas. Já passara a hora do almoço.  

Quando abriram a porta de casa Belinha estava estirada no tapete já rígida e gelada. 

 

Ana Pujol

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 14/07/2024
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