Um dia de trabalho
Nelson beijou a esposa ao sair pela porta mas ela continuou seguindo ele até o portão. Antes de se despedirem por fim ela falou : - nós precisamos conversar. Ele a olhou no olhos e partiu. Não podia conversar naquele momento, eram dois ônibus até chegar o trabalho. Ônibus lotados e cheiros diversos, já estava acostumado. Quando foi marcar o ponto tinha um bilhete para comparecer ao RH . Também precisavam conversar. Tudo se passou muito rápido. A moça do RH, que era sua conhecida a anos , foi bem curta e até grossa ao anunciar, que por contenção de despesa, várias pessoas seriam mandadas embora de seu emprego. E que ele voltasse no outro dia pois o Aviso Prévio seria cumprido fora do trabalho. Assinou alguns documentos sem discutir. Já estava a mais de dez anos na empresa. A notícia teve o mesmo impacto que a frase da esposa ao sair de casa. Olhou nos olhos daquela mulher e saiu. Lá fora, todos falavam muito alto, duas mulheres choravam . Foi para a cantina tomar seu café. Não queria falar com ninguém. E nem queria voltar para casa. Logo conseguiu sair da empresa e lembrou-se que a muitos anos não deixava o sol da manhã tocar sua face. Isto lhe trouxe um pouco de alento. O prédio ficava enfrente a praia, na zona sul do Rio de Janeiro. Atravessou a avenida e foi sentar na areia . Tirou os sapatos e pisou firme no chão. Não voltaria ao seu lar naquela manhã acolhedora de outono. O que a esposa precisava conversar ? Será que ela decidiu pela separação ? Ou era uma conversa aleatória? Não podia crer nisso. Passou o resto da manhã na praia. Ainda arregaçou a calça e deu alguns passou dentro da água. Tinha uma sensação de liberdade. Estava tomando consciência que tudo que estava perdendo , na verdade, o oprimia. Mais tarde começou a sentir fome, e como de costume, calçou o sapato e dirigiu-se ao restaurante que almoçava sempre no princípio do mês, dava-se este luxo, de não comer no refeitório da empresa. Aquele era um dia de alvoroço pois em plena Copa do Mundo, o Brasil jogaria com a Argentina, disputando as quartas de final. E o restaurante ia televisionar o jogo. Decidiu que ficaria ali até o jogo começar. Almoçou tranquilamente sem pensar na esposa ou na mulher do RH. E passaria a tarde tomando uma cerveja gelada e olhando o mar. O jogo começaria as 14 h e Nelson decidiu que tinha todo o tempo do mundo só não queria conversar sobre nenhum assunto então não se juntou a um grupo de amigos do trabalho que também estavam lá, mesmo tendo sido abordado por eles para juntar-se. Solitário ficou sabendo que seria pauta para os amigos que já sabiam de sua dispensa. A cidade parava para ver o jogo. Alguns corriam para chegar em casa para assistir as partidas de futebol, outros se acomodavam em bares e restaurantes. A hora do jogo começou e havia um alvoroço entre as pessoas que discutiam entre si. Nelson estava alheio, não se importava apenas vivia o momento . Passaram-se alguns minutos e as pessoas estavam tensas. Até que aos vinte minutos da partida o Brasil fez um gol. E junto com gritos e fogos, naquele exato momento, todos são surpreendidos por um barulho forte e abafado, que tira a atenção de todos. Nelson olha para fora, pela lateral do restaurante onde tinha um carro estacionado na calçada e depara-se com um corpo de uma pessoa caída sobre o carro. Todos gritam ainda ecoando o som de gol na garganta. Há um verdadeiro tumulto de pessoas em movimento para olhar a pessoa que acabara de cair do prédio ao lado do restaurante. Nelson estava bem perto, o susto foi tão grande que paralisou seu corpo, não conseguindo se levantar. Não conseguia falar também. Tão perto estava do carro e do corpo inerte, com a cabeça cheia de sangue. Logo chegou a polícia e os bombeiros. E logo o Brasil fez mais um gol no segundo tempo da partida. E os fogos começavam a ecoar no ar. Alguém ainda gritou gooooooll e logo silenciou. Ninguém sabia ainda se a pessoa fora jogada ou se atirou - se do prédio.. A polícia afastava as pessoas da cena do crime. Nelson conseguiu se levantar e ao faze-lo pode ver bem a mulher, desconcertada e seminua em cima do carro. Percebeu que seus olhos estavam abertos, olhou bem dentro deles , o olhar da morte. Nada fazia sentido naquele dia de trabalho.Tanta opressão e desalento. Tristeza e dor. E ele não se importava. Resolveu voltar para casa. Os ônibus estavam vazios e pode viajar sentado, às pernas tremiam. Ao chegar no portão de casa, lá estava sua esposa como a deixou pela manhã, esperando por ele. Talvez alguém tivesse lhe contado sobre sua dispensa. Talvez não. Aproximou-se e beijou levemente seus lábios e ainda pode pronunciar. - nós precisamos conversar. Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 21/06/2024
Alterado em 21/06/2024 Copyright © 2024. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |