Cheguei no quiosque a beira mar e pedi uma Heineken. Sentei num banco não muito confortável e acendi um cigarro. Fiquei esperando meu marido estacionar o carro olhando para a praia. Perto de mim, numa mesa de plástico dois senhores conversavam animadamente, não pude deixar de notar os dois. Dei um gole na bebida bem gelada descansando o corpo do dia na praia. Não pude deixar de ouvir que os dois falavam de peixes, deveriam se pescadores " trouxe uma boa quantidade hoje para casa, fartura, meu amigo" disse o mais novo . E o outro, já envelhecido, com a barba branca e o chapéu de palha pousado sobre a mesa " hoje pesquei um peixe enorme, lutei com ele para, vencido, ter dificuldade de trazer-lo amarrado no barco . O mais novo sorriu" deixa de contar vantagem, onde está este peixe ? " Malicioso e audaz, o velho não sorria" difícil foi traze-lo pois durante todo o percurso outros peixes o devoravam. " Isto seria verdade? Sairia de um livro de Hemingway? Eu queria me abstrair da conversa desinteressada. Ele estava falando de um tubarão. Desde menina eu tinha pavor a tubarões, não que já tivesse visto um ou estivera num barco cercada por eles. Mas eram os filmes. Aqueles que ficaram famosos e os outros mais que surgiram. Aquilo me criava um pavor que ao invés de evita-los eu assistia compenetrada e ávida para saber onde iria o meu medo chegar. Tinha pesadelos e me comportava estranha no mar. Sabia nadar mas nunca saia da beira da praia olhando envolta a chegada daquele mostro para me abocanhar. Virei piada na família e entre os amigos. Pois tudo era tão assustador que se visse um filme de tubarão não queria nem tomar banho de chuveiro. A fera maligna, com seus milhares de dentes atravessaria o azulejo do banheiro para me pegar. Só tive uma grande amiga na adolescência que ia lá para casa e ficava sentada no vaso sanitário conversando comigo enquanto tomava um banho apressada. E da adolescência a coisa só piorou pois até a idade madura não podia ver um vídeo, que fosse, em que aparecia um tubarão, que já era o bastante para dormir de luz acesa. Eu imaginava que a cama era um barco e envolta dela estaria o mar e uma enorme barbatana, silenciosa a circundava. Por quantas vezes , meu marido apagou a luz e eu fiquei ali, a deriva, alimentando meu medo. Li certa vez, num livro do professor Hermogenes que o medo era uma coisa, uma ilusão. Quando abrirmos a porta de um quarto escuro e avistamos algo no chão que supomos ser uma cobra , o medo paralisa de tal forma que não temos coragem de acender a luz para constatar que era apenas uma corda. Assim eu me sentia , apavorada até dentro da piscina achando que seria atacada por um tubarão. Meu marido chegou, pedimos aperitivos e fomos sentar do lado dos pescadores. Eu já não estava tão confortável, desde cedo, com a ideia de ir a praia . O velho continuava com sua narrativa sobre o tubarão e o mais novo insistindo que tudo era mentira. Meu marido percebeu que eu estava atenta a conversa em desespero " tenta abstrair, é tudo bobagem " disse ele abocanhando um frango a passarinho. Não havia o que temer, ele sabia que eu nunca chegaria perto de um tubarão, fosse num passeio a Ilha Grande ou mesmo, numa visita ao Aqua Rio. Os dois homens pediram a conta e levantaram-se pata partir, foi quando eu cheguei o mais próximo do meu medo afinal. O velho sustentava uma muleta e teve dificuldade para se levantar. Não pude deixar de fixar meus olhos na falta da sua perna esquerda. E como se ele soubesse de todo o pânico que vivi a vida toda, aproximou-se do meu rosto com malícia " Ela está no bucho de algum tubarão por este mar a fora "
FIM Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 31/05/2024
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