Cheguei para fazer o check-in no hotel na região serrana numa tarde fria. Já tinha uma reserva de 10 dias e não queria muita conversa só pedi um quarto tranquilo e que não fosse perturbado. Apenas com uma mochila nas costas e a bolsa do meu notebook solicitei a senha do wi-fi. Realmente eu estava para pouca conversa e com muito frio. A ideia era passar aqueles dias isolados para terminar meu romance. Eu tinha um prazo para cumpri com a editora e não queria ser incomodado. O quarto era o último do corredor do terceiro andar e estava torcendo para que o único vizinho do lado não fosse barulhento. - é tranquilo aqui , meu senhor. Terá uma ótima estadia - sem eu perguntar nada ao rapazinho franzino que me acompanhava tive esta promessa. Eu me acomodei no quarto confortável e aquecido e comecei minha rotina de escritor. Notebook, cadernos, agenda, canetas coloridas e meus dois celulares, tudo sobre uma mesa que fora uma exigência minha e parecia bem grande pois ainda tirei dois livros da mochila. Pensei em sair para comer algo mas estava cansado e adormeci. E sonhei com meus pais dançando numa pista improvisada na enorme sala da casa da minha avó e eu lá, sentado numa cadeira, os pés ainda não chegando ao chão, sorridente. Há muito tempo nem pensava neles. Fui para a mesa para me organizar para escrever. Li algumas notas na agenda e um trecho ainda não acabado, escrito no caderno. Fiz algumas anotações necessárias e voltei a história que me consumia a meses. Logo ouvi, vindo do quarto ao lado o som de uma música baixa, uma música nostálgica que não perturbava. Durou quase a madrugada inteira enquanto eu escrevia. Na manhã seguinte não me dei ao trabalho de perguntar a camareira sobre os meus vizinho, estava faminto e queria devorar todo o meu café. Pensei em dar uma volta, mas o frio não convidava e voltei ao quarto para a minha história. Escrevi a tarde inteira até sentir fome e fui parar num restaurante que ainda servia refeição. Tomei umas duas cervejas e voltei ao hotel onde desmaiei na cama de tanto sono. Bem tarde me levantei e decidido a tomar um banho já pude ouvir a música que vinha do quarto ao lado. Parecia mais animada e senti que duas pessoas falaram, mesmo que baixo , enquanto dançavam. As vezes soltavam uns risinhos e depois trocavam de música. Não me incomodei. Sentei e escrevi. Tinha feito a barba e estava acolhedor dentro do quarto. Os dias passavam assim, eu escrevendo e a mulher e o homem do quarto ao lado dançando e rindo. Em outra ocasião eu reclamaria do barulho, me conhecia bem, taciturno do jeito que era. Mas era agradável ter a companhia dos dançarinos. Estava sendo até bom para o meu romance que estava sendo levado para um tom mais brando depois de tanta desgraça escrita. Seu fim seria inusitado. O casal dava boas risadas ao som do bolero. Sim eles dançavam boleros, alguns me eram até familiares. Quando faltava dois dias para eu ir embora não ouvi nenhum som. Eu estava empolgado por ter terminado o livro com uma dança. Um presente para os meus leitores. E quando deitei mais cedo sonhei de novo com os meus pais. Sonhei o dia fatídico em que morreram num acidente de carro juntos. Pelo que sabíamos já não tinham contato a mais de dez anos, desde a separação. Nenhum filho soube explicar onde estariam juntos. Só que desciam a serra e acontecera o acidente. Não ouvi mais música. Nem risadas, a dança tinha parado. Pensei em ir na porta deles e me apresentar. Bobagem, com certeza já teriam ido embora do hotel. Quando arrumava minhas coisas para partir um funcionário do hotel pediu licença para entrar no quarto e perguntar se estava tudo de acordo. Respondi que sim e para matar minha curiosidade perguntei sobre o casal do quarto ao lado - deve ser algum engano do senhor, a música devia vir da janela. Faz alguns meses que não alugamos este quarto ao lado. O último casal que estivera nele morreram num trágico acidente de carro.
FIM Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 29/05/2024
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