Ana Lago de Luz

E na beleza das flores... e nas ondas do mar!

Textos


Desafio 3 - fazer um conto com um final aberto

 

Ao pôr  do sol 

 

Depois da revolução de 1964 os dias ficaram mais longos para uns  e muito mais curtos para outros. Eram tempos difíceis. 

O ano de 1968 não seria esquecido por ninguém.  Era quando desaparecia mais gente e quando a repressão tomara conta das repartições públicas e as universidades.Havia sempre alguém disfarçado, a espreita das conversas alheias. Porque falar era proibido. 

Para Helena as coisas não mudaram muito. Continuava a sua vida de dona de casa, vivendo para o marido e os filhos já adultos.

Sua rotina não mudara, as notícias não chegavam aos seus ouvidos, o máximo que ouvia era o filho Artur  que era sargento do exercito brincar na mesa do jantar dizendo  que a comida no quartel melhorou muito, e Miguel,  o filho mais jovem, universitário soltava uma piada  subversiva e os dois começavam a brigar. Silenciados por Seu  Jorge o patriarca da família. 

- Respeitem sua mãe e sua irmã senão a coisa vai ficar preta aqui em casa. 

Os quatro filhos foram muito bem educados pelos pais e eram obedientes. 

Helena não se importava com as desavenças  dos filhos já que Artur era tão compenetrado e independente e Miguel doce e amável.  

Ela passava a maior parte do dia sozinha já que  marido e os filhos trabalhavam e estudavam.Miguel era o único que passava a semana toda na universidade, dormia no alojamento, voltava na sexta feira.

Helena cuidava das coisas de casa e se sentia uma mulher abençoada.  Morando numa bela casa perto do mar, herdada dos pais, no litoral do Rio de Janeiro. Fazia caminhadas a beira mar e ao entardecer lia um livro ou bordada, sentada em sua varanda esperando o pôr do sol. 

E era neste momento que recebia de volta, um a um    de volta ao lar. Conhecia a silhueta de cada um voltando para casa, pela rua enfrente ao mar. 

Só que estava com a visão um pouco embaçada  e demorava a reconhece-los. Mas sabia que iam chegar antes do sol se pôr totalmente. 

Só que certa vez numa tarde de sexta feira  Miguel não voltou para casa. 

Todos esperaram até altas horas. Ainda tentaram ligar para um amigo dele, que dividia o alojamento, que estava já em casa,  e a resposta foi que não via Miguel a uns três  dias. Ficaram acordados a noite toda. Helena muito apreensiva mas confiante na volta do filho. 

- Será que Miguel arrumou uma mulher? Só por mulheres é  que fazem estas coisas. - ela dizia isto toda hora.

Mas a realidade parecia outra. Artur e Seu Jorge se falavam no olhar. Sabiam que Miguel era tempestuoso e que falava demais sobre o governo. Que o grupo de amigos que tinha não condiziam  com as regras de uma ditadura militar. O pior teria acontecido. 

Resolveram no final de semana procurar por hospitais e lugares que ele frequentava. Para só na segunda ir a universidade e começar a falar com professores e amigos de Miguel. Artur achou melhor não envolver a polícia nisto mesmo que Seu Jorge achasse melhor registrar o desaparecimento do filho. 

Helena, durante aquela primeira semana , começou a se desesperar também e quando explodiu foi agarrando Artur pela camisa implorando. 

- Você tem que trazer  meu filho de volta.

Em seu subconsciente também sabia que o filho poderia ter sido preso, torturado e assassinado. Mas não deixava isto vir a tona. 

Sentava-se a tarde na varanda para esperar o sol se pôr  e esperar o filho voltar. 

Começaram a passar os dias e as buscas cada vez mais escassas . Outros amigos de Miguel estavam solidários mas era uma época de poucas resposta para muitas perguntas. 

O limite chegou, não tinham mais onde procurar, Miguel simplesmente desaparecera e a polícia ainda investigou o caso mas de forma velada o caso foi deixado para trás. Alguém cogitou a atuação de Miguel em grupos contra o governo militar mas nada foi confirmado.

E Helena Com o passar dos meses foi mudando sua rotina. Já não era tão dedicada a casa e uma letargia tomara conta dela. Só esperava as tardes chegar para esperar a volta dos seus. E mesmo com todos em casa ainda ficava até o anoitecer sentada na varanda.

E numa tarde de verão,  onde o sol demorava mais para se pôr,  Seu Jorge passou por ela, já acostumado com o fato de ter que cuidar do jantar, afagou o ombro da esposa e disse:

- Renato , seu  sobrinho me ligou e disse que talvez viesse para o jantar. Não deu certeza mas talvez viesse.Helena amava muito o filho de sua irmã e a muito tempo que ele não vinha visita-la .Helena acenou com a cabeça sem muito intusiasmo.

Ela continuou sentada esperando anoitecer. Não havia nada que fizesse com que ela arredasse dali na sua espera pelo filho. Ela nunca acreditou que teria um filho morto sem um corpo para enterrar.

Foi então que os últimos raios do sol desciam pelo mar e seu coração começou a acelerar pois reconhecia a silhueta que vinha em sua direção...

 

Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 13/03/2024
Alterado em 13/03/2024
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