Bonecas de papel
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Levantei da cama e saí pela porta depois da mamãe, também em silêncio. Passei pelo quarto do Thiago e ele ainda estava na cama terminando um jogo no celular. Com certeza, mamãe também chamara ele para o almoço. Entrei e arrisquei uma pergunta : - Por que a vovó morreu ? - Isto é pergunta que se faça? Não fala isto para a mamãe! - ele estava quase gritando . - Mas ela não estava doente - eu estava aflita querendo saber. - Não fale neste assunto. Ela morreu dormindo. Teve um AVC e morreu. Pronto, só isto. Eu ia arriscar mais uma vez. O que era um AVC? Mas estava tão atônita com a ideia de morrer dormindo que desisti. Subiu um calor no meu corpo e um bolo na garganta. Mamãe sempre dizia que tínhamos que dormir tranquilos para acordar bem dispostos. Como se pode dormir e morrer ? Na mesa do almoço o calor virou frio, eu estava gelada. Não tinha fome alguma. O que seria um AVC ? E como ele matava dormindo? Mas não podia deixar de comer porque mamãe ia perceber e ficar mais triste. Demorou um tempo infinito para eu engolir a comida e estava tão fora do ar que papai precisou perguntar duas vezes para eu responder: - Carol tem dever de casa ? Carol ? - Sim papai - foi o que consegui responder. - Mas tem o final de semana para fazer querida , não é mesmo ? - sim papai ... Acho que ele se inquietou um pouco - Carol, está se sentindo bem ? Olhei direto para mamãe e percebi seu olhar sobre mim. Eu estava me esforçando tanto para não incomodar ela. Ela olhava me indagando também. - Claro papai . Eu comi biscoito na Van que a Bela me deu. Não estou com fome - metade da comida eu já tinha comido. - Então pode ir para o quarto, se quiser, filha. Nem percebi como levantei, não senti minhas pernas caminharem até o quarto, estava pensando demais e ao mesmo tempo com nada na cabeça, parecia vazia Mas não deixei de parar de novo na porta do quarto do Thiago e perguntar baixinho. - O que é AVC? - acidente vascular cerebral. Não falei nada, voltei para o meu quarto. Então foi isto, vovó morreu por acidente. De alguma forma isto me tranquilizou. Pensei na caixa de bonecas de papel no armário. Não, não ia mexer nelas. Era muito chato ficar dobrando pedaços de papel em cima de uma boneca que se mantinha na mesma posição o tempo todo. Fui para o computador brincar com as bonecas de lá. Trocar cores de cabelos e tons de batom. Diversos looks para escolher. Mudar elas de posição. Depois fui para um jogo de montar casinha, eu adorava comprar os móveis e trocá-los de lugar. A tarde ia passando. E eu não pensava na vovó e nem na mamãe. O acidente parecia ter me conformado. Eu continuei a montar casinha e trocar roupas e maquiagem da bonecas. Até que percebi que uma boneca tinha a opção de uma fantasia de fada. Coloquei as asas, os sapatinhos com brilho e uma varinha mágica em suas mãos. E foi o suficiente para eu lembrar das tatuagens de borboletas da vovó que saiam do braço dela ao anoitecer para passear. Malditas fadas! Por que elas não salvaram a vovó do acidente? E que acidente é este ? Acidente é de carro. Ou quando se cai da escada. Que tipo de acidente a vovó teve dormindo? Caiu da cama e morreu ? Mas não tem que estar doente para morrer? Num instante brotaram lágrimas nos meus olhos. E percebi que não havia chorado desde que vovó morrera. Era um choro que eu não conseguia controlar. Porque eu estava com raiva, muita raiva de fadas e borboletas . Acho que até sentia raiva da vovó e da mamãe
( continua... )
Ana Pujol
Enviado por Ana Pujol em 06/03/2024
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